O que dizer da produção literária estabelecida em 1997 para que a partir dela se possa pensar o ano de 1998? Pensar o que, minimamente, tenha ou carregue caraterística própria para receber o nome de literatura; ou seja, originalidade. Mas pensar apenas assim pode ser pouco. Literatura, para a originalidade, vai sempre precisar de história, precisar de referência, precisar, principalmente, de uma dimensão formal do que ficou aparentemente pronto como ‘obra de arte literária’.
Em literatura - está em Tonio Kroeger, livro curto e um dos mais geniais de Thomas Mann, quando a personagem homônima afirma em uma conversa com sua amiga Lisavieta, e ensina: “A literatura não é profissão alguma, e sim uma maldição.” -, esta maldição maravilhosa, só se pode/deve discutir qualidade, formação de estética, preservação e registro. Literatura de verdade não vende, nunca deixou ninguém nadando em dinheiro e “é muito bom que não venda”, diz Leminski. Este nosso tempo é que quer pensar a literatura como comércio, como necessidade orçamentária, já que tudo ficou fácil, fácil demais até. Mas não pode ser comércio o que é apenas um sutil prazer para o diletante. Mais adiante Kroeger afirma: “Ah! sim, a literatura cansa, Lisavieta.”
O fato é que, cansada, a literatura tornou-se apenas mais uma entre tantas manifestações culturais. Perdeu a sua hegemonia, virou princípio participativo e foi aboca hando outra fatia deste pequeno bolo qualitativo através de um diálogo maior.Ponto normal se pensarmos isso diante da abertura pós-moderna, ou como queiram nomear essa reviravolta normativa. O outro ponto, anormal, seria pensar a literatura como resistência para a descompostura estética que vive a contemporaneidade.
A suposta abertura para o heterogêneo, chamada de pós-modernidade, não significa abastardamento. Logo, a verdadeira literatura não pode ser resistência. Esta abertura apenas permite que o diálogo intercontextual seja intensificado e estabeleça novas regras de andamento para qualquer predisposição de arte. A literatura, senhora de si, essencialmente, tenta manter os seus velhos leitores e trazer o anti-leitor - este, natural deste tempo, que é empiricamente fascinado pelo som e pela imagem -, para perto. Tudo muito tranqüilamente.
A narrativa que se pretende contemporânea, com total garantia do caráter literário, é feita sob a égide desse vulto heterogêneo que é a grande cidade. “O mundo é, hoje, todo, este oxímoro: uma ampliação reduzida: uma grande cidade.” Daí ficar impossibilitada qualquer pretensão criativa que traduza esta época e seja ao mesmo tempo voltada apenas para o regional, para uma literatura nacional, presa dentro de pequenas fronteiras, daqui ou de qualquer lugar. Pensar a literatura hoje, seria pensá-la de uma forma pós-nacional para que não seja tomada como entidade inexistente.
Outro fato é: por mais incalculável que seja a quantidade de livros que pipocam por aí sem contribuição nenhuma, sem valor de classificação, o que de melhor se produz em arte neste país ainda é no plano literário. Temos uma produção de poesia - que é qualitativamente muito boa - e uma outra de narrativas - menor, mas também interessante - que buscam exatamente o conceito estabelecido por Bhabha: “De muitos, um.” Do heterogêneo, a essencialidade. E hoje, é neste conceito de essencialidade múltipla que sustenta-se a literatura, na desleitura. E não dialogando com o que ainda quer ser nacional, cheio de penduricalhos tradicionais.